A Ética da Condução Autónoma: Quem Decide em Caso de Acidente?
A Ética da Condução Autónoma: Quem Decide em Caso de Acidente?
Os veículos autónomos (VAs) são projetados para serem infinitamente mais seguros do que os condutores humanos, eliminando erros como distração e fadiga. Contudo, há um pequeno, mas inevitável, conjunto de cenários em que um acidente é iminente e a máquina é forçada a tomar uma decisão ética: quem proteger? O ocupante, o peão, ou o maior número de vidas?
É neste ponto que a ética da máquina encontra o clássico "Dilema do Elétrico" (Trolley Problem), e a resposta está a ser escrita no código de programação dos veículos.
1. O Dilema do Elétrico (Trolley Problem)
O dilema é um exercício mental na filosofia ética que questiona se é moralmente aceitável sacrificar uma vida para salvar um número maior. Adaptado à condução autónoma, o problema surge quando o veículo não pode evitar um acidente, mas pode escolher a direção do impacto:
- O carro deve continuar a sua trajetória e atropelar três peões que surgiram subitamente.
- O carro deve desviar-se, salvando os peões, mas colidir com um muro, pondo em risco a vida do ocupante (o utilizador que comprou o carro).
Nestas frações de segundo, a decisão do algoritmo revela os valores morais que foram programados na máquina.
2. Abordagens Éticas Possíveis na Programação
Os engenheiros e especialistas em ética têm de escolher entre diferentes estruturas filosóficas para guiar o Sistema de Tomada de Decisão (DMS - Decision-Making System) do VA:
2.1. Utilitarismo (Proteger o Maior Número)
Princípio: A ação moralmente correta é aquela que resulta no maior bem para o maior número de pessoas.
- Aplicação: O carro deve sacrificar o seu ocupante se isso salvar a vida de múltiplos peões. O algoritmo faria um cálculo de danos potenciais para minimizar o número total de vítimas.
- Crítica: Esta é uma abordagem que a maioria das pessoas concorda ser teoricamente ética, mas que destrói o incentivo económico. Quem compraria um carro programado para sacrificar o seu proprietário?
2.2. Protecionismo do Ocupante (Deontologia)
Princípio: O carro tem uma obrigação contratual e ética para com o seu passageiro. A ação não deve ser intencionalmente prejudicial ao utilizador que confiou no produto.
- Aplicação: Em caso de acidente inevitável, o carro deve sempre privilegiar a sobrevivência do seu ocupante, mesmo que isso resulte em mais danos externos.
- Crítica: Esta abordagem é acusada de ser eticamente egoísta e pode levar a mais mortes no exterior do veículo. Embora possa aumentar a confiança do consumidor, levanta questões legais de responsabilidade social.
2.3. Aleatoriedade ou Minimização de Danos
Princípio: Evitar programar uma regra ética explícita. Em vez disso, programar o carro para tomar a ação que minimize o ímpeto e o dano de forma geral, sem fazer distinção entre as vítimas (por exemplo, travar o mais forte possível).
- Aplicação: O carro não faz a escolha de "quem matar", mas sim a escolha de engenharia que absorva melhor a energia do impacto.
- Crítica: Embora pareça mais "ético" ao nível do design, na prática, esta abordagem pode, ainda assim, resultar numa vítima única e atribuída.
3. Desafios Legais e de Aceitação Pública
3.1. Questões de Responsabilidade (Liability)
Num acidente envolvendo um VA, a responsabilidade é transferida do condutor humano para o fabricante, o programador de software ou o proprietário do carro. Se o carro for programado para sacrificar o ocupante, o fabricante poderá ser processado pelos herdeiros do ocupante, mesmo que a decisão tenha sido "utilitariamente correta".
Esta complexidade legal está a forçar os países a desenvolver quadros regulamentares que definam as regras de decisão que os algoritmos devem seguir.
3.2. A Preferência do Consumidor
Estudos globais, como os conduzidos pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), mostram uma contradição humana: as pessoas geralmente concordam que a abordagem utilitária ("salvar o maior número") é a mais moralmente correta. No entanto, a maioria das mesmas pessoas preferiria comprar um carro que fosse programado para **proteger a sua vida** acima de tudo.
A aceitação pública da tecnologia autónoma está diretamente ligada à confiança no seu programa ético.
4. Conclusão
A ética da condução autónoma é uma área em rápida evolução. A solução não passa por programar a "perfeição", mas sim por definir, de forma transparente, as prioridades em situações de risco inevitável. Esta será uma decisão tomada não apenas por engenheiros e filósofos, mas também por legisladores e, em última análise, pelo consenso social sobre o valor de diferentes vidas.
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